Instruções de conduta aos delinquentes (carta do séc. XIII)


 
INSTRUÇÕES AOS DELINQUENTES
(carta séc. XIII)


Caro Léonce de Saint-Centi,


Venho mais uma vez responder a tua pessoa que sempre foi tão generosa e atenciosa com a minha.  É visto que os tempos a todos trouxeram notícias desagradáveis. Soube do pesar que abalou todo vilarejo, uma notícia tão espantosa e misteriosa que deixa desde as crianças até os anciões amedrontados ao entardecer.


Sinto em lhe informar que o mal que assombra a tua vila não vem de mazelas ou inimigos externos, mas sim dentro destas casas de pedra, madeira e de barro. Não pense você que será fácil a revelação que vos atormenta, pois trata-se de alguém de confiança que foi vendido por interesses egoístas e sensuais. 


Trago nesta carta a confirmação do acusado junto com instruções de como se deve proceder o seu julgamento. Mesmo sendo ele culpado de atos cruéis, ainda segue sendo filho legítimo de vossa casa. Não compactuo com a violência desenfreada, mesmo reconhecendo esta força dentro da natureza.


Peço que não o sujeite a tortura e muito menos a humilhação. Realizem toda operação com discrição e vigilância necessárias, pois servirá de exemplo para os demais que não se encontram zelosos e diligentes em seus compromissos para com si e com os demais.


Sejam capazes de aplicar as correções necessárias sem perder um filho, um soldado ou amigo. Levem-no para a cela ao campo aberto  coberto por rosas e lírios. Lhe ofereçam boa comida e o cerquem de crianças. Verá em seus olhos lágrimas de arrependimento e seus joelhos estarão inclinados ao chão.


Ao regressar para a vila, esteja ele de cabelo raspado, vestes simples e de cor bege e diante de todos os habitantes, confessará ele todos os seus crimes denunciados. Diante disto, é visto a necessidade do perdão frente ao arrependimento de atitudes maléficas e desrespeitosas ou seu apedrejamento e inevitável morte. Discorra perante toda população sobre o perdão, a compaixão, o apego e a purificação de nossos erros perante a justiça e misericórdia divina.


Estando ele em praça pública e rodeado por todos. Deixe ao seu lado pedras para que as vítimas de suas ações possam escolher como proceder com a justiça. Temo em dizer que talvez o jovem não saia com vida devido a sua vulnerabilidade na lapidação de seu corpo e alma, devido ao seu karma e sofrimentos causados por ele. Cada sangue derramado em vida estará limpando seu karma para próxima encarnação. E cada pedra lançada pelos habitantes estará sujando a alma que com sede de vingança perpetuará o tormento em quem não é capaz de desculpar.


A todos servirá de lição, desde a dor de quem perde, à aflição de quem ver um amigo sangrar e ao alívio de quem sabe perdoar e consolar um coração angustiado. Não se mantenham apegados às vidas que se foram, mas sim as vidas que podemos alcançar, modificando de pedregulhos opacos ao brilho dos tesouros mais cristalinos. Esvaziando as celas e tornando os inimigos os nossos mais leais amigos.


Termino esta carta meditando com calma sobre a necessidade de observação frente aos sentimentos mais sombrios que nos sucedem a vida, e  intensifico a não identificação com eles, mas sim a ser usado como força motora capaz de nos impulsionar para o lado mais nobre e justo em frente às provações do cotidiano.


Que a luz do discernimento lhe abençoe e acompanhe teus passos.


Paz e Luz

Logai

Março de 1237


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