O agora é uma longa demora
Viva um dia de cada vez
Foi o conselho que me deram. Deveria viver o presente e esquecer o passado, mas isto fica difícil quando o que passou me atormenta todos os dias. Porque o que eu fiz no passado não passou. Está agora afetando o meu presente e sei que isso pode atrapalhar também o meu futuro.
A pesar de discordar da frase, eu acabo sim vivendo um dia de cada vez e o que mais me chama atenção é a consciência que eu levo vivendo no agora. Mesmo assim, o que vivi no passado ainda é um fantasma que me aflige no presente. São lembranças de erros, de momentos e sensações que não deixo morrer e quando aparece na mente eu não deixo de não sentir e de sofrer com o momento em que me percebi sedento ao sofrimento.
Não sei dizer ao certo o que é e nem dar nomes aos bois. Sigo sentindo sinais no meu corpo. Uma barriga que começa a ganhar tamanho, um cansaço por todo o corpo que me faz chegar a achar que não estou vivendo meus vinte anos direito. Além do tempo que eu perco me esquecendo, também ganho quando não me acho. Ainda falo coisas sem sentido e não sei quando vou conseguir parar de dizer que a parede é sinal para outra parede e que juntas são formatos que me dão sede.
Enfim, voltando para o presente e o agora. Estou eu do lado errado de uma porta? Não, estou deitado catando esmolas. Um breve tempo terei ao reunir todas as minhas memórias e quando isto fizer, irei deletar e juntar tontura com amora. E não posso esquecer de lembrar o que tanto perco esperando a hora chegar e sei que essa hora trás consigo uma grande demora.
Tudo isso me faz voltar novamente ao agora. E pesando bem, eu vejo que é de longe uma longa e esperada demora. Comecei com sentido e agora só falta juntar as botas e ir embora. Todo tempo é fruto de um agora. Estou começando a me distanciar de boas memória. Mas é isto que dá quando tento acumular histórias e do nada faço lembrar que isso não vem junto com a demora. Sou pobre, não carrego nada de grande prestígio. Também sou tolo por achar que eu era realmente o meu melhor amigo. Sou tantas coisas ao mesmo tempo em que sou coisa nenhuma. Estou me desnutrindo de alegrias e dando espaço para o sumiço.
Mas não sumo. Permaneço respirando e juntando todos os meus gritos. Estou cansado, mas não deixo de esconder o que sinto. A demora me faz relembrar a dor que senti ao perder o que nunca ganhei no jogo da vida. Me coloco a continuar esperar que o tempo encontre no seu lugar tudo o que mantive e perdi quando achei a minha infame habitação. Depois de uma grande cirugia meu corpo finalmente irá respirar.
Quero terminar como comecei, quero esquecer o que terminei. Digo novamente e mostro a minha nudez. Mostro também a curva que carrego nas costas, mostro o tempo e o fragmento do meu agora. E como uma viajante que sabe que é longa a estrada, mas ansioso se sabota a preço de nada. Estou aflito por saber que eu erro e por expor meus erros ao mundo. Minha má formação me levou a um corpo que se acomoda e mesmo em dor não deixo de querer adiantar a minha hora. Mas sabendo, é claro, que tudo está cravando na infinita demora. O tempo não me aflora e preso ao que criei me pego catando as velhas esmolas.
Comentários
Postar um comentário