Confissões em um quarto escuro (rascunho)



CONFISSÕES EM UM QUARTO ESCURO


CENA ÚNICA



(Quarto vazio como uma luz branca no centro. O personagem não é visto. Só se ouve a sua voz. A luz permanente durante toda a cena centralizada no meio do quarto. Deixando espaços escuros ao seu redor.)




- Olá, tem algum por aqui? Tá tudo muito escuro, não consigo enxergar nada e nem ninguém.


- Eu vim entregar alguns documentos, me disseram que poderia entrar. Mas não sei se vou ficar por muito tempo.


- Eu tenho uma vida muito ocupada, sabiam? Agora mesmo, tenho outro lugar para ir.


- É uma luta, mas no final vai dar tudo certo.


- Só queria saber com quem posso deixar esses papéis.(silêncio).


- Olá? Tem alguém aí. Não quero ficar falando sozinho e nem dando voltas no quarto que parece estar escuro..


- Nem lembro mais por onde entrei. (silêncio).


- Mas tudo bem, até que não está muito quente aqui, não é. Comparando ao lado de fora, aqui é um paraíso gelado. A umidade me faz muito bem, e mantém no equilíbrio.


- Mesmo que no fundo eu saiba que não estou falando sozinho. Me pergunto se alguém poderia falar alguma coisa ou dizer se estou na sala certa.( Dá voltas pelo quarto sem pisar na luz que ilumina o centro do quarto).


- Olá?!! Tem alguém aqui?


- Não, ninguém? Tá bom então. Já que entrei, vou deixar os documentos em cima da mesa.


- Mas eu não consigo enxergar nada. Alguém poderia ligar a luz?


- Ai meu deus, eu vou acabar indo embora sem fazer o que queria.


- E onde está a porta mesmo?


- Olá, alguém poderia iluminar a saída? Não consigo achar a porta por onde entrei.


- Que tipo de brincadeira é essa? Eu tenho uma vida muito atarefada. Sou uma pessoa ocupada.


- Posso não ter filhos e nem família, mas minha vida é única e de responsabilidade minha.(Silêncio). Pensando bem, não cheguei onde estou sozinho, mas mesmo assim sou eu que arco com todas as obrigações que a vida me cabe.


- Vou pedir pela última vez. Alguém poderia abrir a porta ou iluminar o quarto?


- Não quero confessar, mas tenho um pouco de medo do escuro. Alguns traumas de infância aconteceram com as luzes apagadas e com o decorrer do tempo, eles se transformaram em novos.


- Não gosto e nem quero lembrar.


- Ah, eu acho que tenho uma lanterna no celular… Deixa eu pegar aqui… Não… Não, eu não acredito.


- Onde eu deixei esse maldito celular?


- E ninguém aparece e ninguém acende uma luz.


- O que eu vou ter que fazer. Gritar? (gritando) OLÁ!! TEM ALGUÉM AQUI?? POR FAVOR ME DEIXA SAIR.


- Eu não estou brincando e nem achando graça. Quem será que fez isso?


- Nunca fiz mal a ninguém…. Além de mim mesmo.(Pausa) Não machuco nem uma mosca, nenhum inseto e quem dirá uma pessoa...


- Mas isso… Isso não é motivo para me prenderem em um quarto escuro.


- Eu nunca mais vou voltar aqui. Aceitem isso, Não acredito que estou perdendo o meu maldito tempo.(pausa).


- Ai não, desligaram o ar condicionado. Agora não acredito que tenha mais ninguém aqui.


- Quem estiver por trás disso irá pagar muito caro. Não se brinca assim com ninguém.


- Podem me deixar sair? Estou ficando aflito e… E com sede.


- Não acredito que perdi meu celular. Não tenho como ligar ou enviar uma mensagem para ninguém.


- Logo eu, que sempre fiz tudo certinho. Sempre obedeci os mais velhos. Era um garoto exemplar na minha turma. Queridinho dos professores, amigo de todos. Logo eu... (Pausa)


- Não, eu não mereço o que estão fazendo comigo. Não tenho como sair dessa sala e está ficando quente.


- Qual o sentido ou motivo disso mesmo? Me deixar maluco, preso, trancafiado em uma sala que a poucos momentos estava fria, mas agora esquenta de forma terrível.


- É pra dizer que estou com medo? Já falei que não gosto do escuro e nem de lugares quentes.


- Quem está por trás de tudo isso, heim. Ah, mas se eu encontrar contigo depois que sair daqui, você me paga. (silêncio).






- Já se passaram quanto tempo, trinta, cinco, dez minutos?


- Ai meu deus. Eu não deveria ter saído de casa hoje. Poderia estar tranquilamente dentro de casa. Bebendo uma cerveja gelada, ouvindo uma boa música, mas não. Estou preso em um quarto quente com alguém ou deus me pregando uma peça.


- Me pergunto o que fiz para merecer tudo o que está acontecendo agora, talvez eu realmente seja culpado, mas agora… Agora eu só preciso lembrar.


- Não acredito que vou passar o dia inteiro aqui dentro logo hoje que marquei um jantar com umas amigas. A Paula vai trazer um bom vinho. Direto da Itália. A Ana vai me falar como está indo com a nova namorada, se conheceram na faculdade e hoje estão há mais de cinco meses juntas.


- Tem o Pedro também que agora se chama Marcela. Acompanhei sua transição de perto e agora estamos mais próximos do que nunca. Eu amo as minhas amigas.


- Mas tem a Luana, né. Como posso falar para ela que dormi com o seu namorado. Foi no último réveillon, estávamos bêbados e comemorando a virada do ano. Ele chegou muito perto e percebi algo de estranho quando aproximou a mão demais na minha bunda.


- Mas não, no fundo eu não sinto culpa. O relacionamento entre eles não estavam indo muito bem. Já ouvi várias reclamações por parte da Luana sobre o Carlos e não são muito boas.


- E para falar a verdade, o sexo não foi tão bom assim. Eles estava muito agitado e eu estava querendo que as coisas rolassem com mais calma. Mas se ele quiser novamente ou nos encontramos por aí... Eu não irei recusar. Irei sedento secar esse corpo cansado.


- Ah Carlos e Luana. Espero que você terminem logo. Vai ser bom para ambos. Eu vou poder confessar o que fiz sem perder uma amiga. E talvez ainda fique com um contato próximo..


- Mas eu acho que não vou falar nada. Irei guardar esse segredo comigo.






- Ai, essa sala só fica mais quente. Já desisti. Não vou ficar esperneando e nem gritar por ninguém.


- Mas eu queria muito ir muito nesse jantar. Vai ser às dezenove horas. Estou doido para saber como ficou a reforma na casa da Paula.


- Porém, vejo que tem grandes chances deu ficar preso aqui dentro até depois deste horário. Não vou ter como enviar uma mensagem e nem ligar dizendo que estou aqui.


- Uma pena. Deus ou o diabo me prenderam aqui dentro. E por qual motivo, por qual sentença. Quais as acusações, pois a minha vida é tão… Tão aberta.


- Santo nenhum sabe o que eu fiz no escuro. Minha voz só é projetada no breu, no caos ou na destruição que meu nome carrega. Mas apesar de tudo ainda não saberei se sou inocente ou completamente culpado.


- Carrego ódio nas minhas veias, e é claro que também tenho culpa… Mas, mas meu passado foi tão sujo, tão traumatizado, tão sem sentido nenhum, ele foi sombrio e também sangrento. E hoje eu estou aqui. Pagando por alguma coisa? Eu não sei, só sei que de nada irá adiantar. Morto ou vivo, tudo que fiz irei mostrar ao nada.(Silêncio)






- Estou suando muito…. Me, me lembra da última vez que estive no meu sertão. O calor lá é de te queimar por inteiro.


- E o tempo que eu passei olhando o gado, sentido o cheiro de mato e do barro nas paredes me fez tão bem.


- Não sei porque resolvi trocar aquela maresia pelo barulho e agito da cidade.


- Mas já deu o que tinha que dar. Saí devendo deus e o mundo. Acumulei um montão de dívidas que até hoje não paguei nada a ninguém. Não penso em voltar lá tão cedo.


- Ai, estou pingando de suor e ficando com sono.


- Se eu dormir aqui talvez não acorde mais. Está ficando abafado e não sei por quanto tempo vou suportar.


- Mas não posso reclamar muito né. Tentei me matar na quarta-feira passada. Era pra ser por overdose, mas algo que eu não sei explicar fez com que não tivesse efeito.


- Eu posso ter ganhado mais um tempo de vida, mas pra quê?


- Ficar preso aqui ao ponto de morrer sufocado não me parece um bom presente do destino. - O que eu posso pedir ao universo, que evite esse fim inevitável?






(O quarto continua em silêncio. A luz continua centralizada no meio do quarto. Aos poucos começa a tossir e a falar com dificuldade).






- (Tossindo) Eu vou acabar… Acabar ficando sem ar. Era o que me faltava, finalmente estou encontrando o bem que procurava.


- Ninguém irá aparecer, não tenho ninguém a recorrer. Gritar só vai fazer com que perca mais do meu ar.


- Antes de morrer, queria dizer que só posso ser culpado por toda desgraça que carrego. Não sou inocente em nada, em tudo tenho uma pintada de culpa, de dor e amargura… Mas, mas mesmo assim ainda vejo que morrer aqui só pode ser o melhor para mim.


- É o fim que tanto mereço. Meus avós estavam certos, eu não tenho valor nenhum. Eu não presto. E isso se dar pelo que fiz ao meu pai.


- Cresci acompanhando os constantes abusos que causava na minha mãe. Era de sangrar o braço, de deixar vermelho o rosto e isso sem ela reclamar.


- A pobre coitada nunca reagia. Sempre dizia que ele iria melhorar, que iria trazer flores ao invés de socos e pontapés.


- Ela não merecia o nojento marido que tinha. E eu não merecia esse pai.


- Foi por isso que troquei sua medicação. Sempre reclamava de dores no peito e eu sabia o remédio certo para acabar com esse desgraçado.


- E foi o que fiz.


- Sim, eu matei o meu pai e mataria novamente.


- Hoje posso dizer que minha mãe vive e que sabe o que é se cuidar e viver em paz.


- Mas fui tolo em dizer a ela o que fiz. Hoje ela não fala mais comigo e não me recebe nem em festas e nem no natal.


- Eu não mereço mais esse fim, pensando bem eu deveria sim obter as melhores coisas da vida. Não as piores. Eu fui uma criança e hoje eu sou o quê.


- Não quero ficar preso neste quarto escuro confessando todos os meus podres. Tudo isso faz com que eu me faça chegar ao puro delírio sufocado, idealizado, consciente e vivido. ( Silêncio)


- Mas… Mas (Tossindo), mas não tem mais jeito… Para mim só basta mais um dia. Só mais um dia para eu consertar toda desgraça que um dia eu fiz ou deixei de fazer.


- Só mais um dia longe deste quarto. Respirando um ar verde, puro e desenrolado. (Canta).




BASTA UM DIA


Pra mim


Basta um dia


Não mais que um dia


Um meio dia


Me dá


Só um dia


E eu faço desatar


A minha fantasia


Só um


Belo dia


Pois se jura, se esconjura


Se ama e se tortura


Se tritura, se atura e se cura


A dor


Na orgia


Da luz do dia


É só


O que eu pedia


Um dia pra aplacar


Minha agonia


Toda a sangria


Todo o veneno


De um pequeno dia

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