O sinal do segundo mês
III
Nasci nas águas
de março.
Nasci pau,
nasci pedra,
nasci com o
fim do caminho
desconhecido.
Nasci em uma
turbulenta calmaria
de uma tempestade
que também nasceu
duas vezes.
Todos os dias nasço
e vou morrendo aos
pouquinho.
Vou nascendo inteiro,
mas só chego em
pedacinhos.
∆
O QUE VI NO ESPELHO
17.11.19
O que eu vi no espelho
foi morte, foi dor, foi vazio.
Foi tudo o que plantei até ali.
Brotou, o que tanto
pedi.
O que eu vi no espelho
foi a certeza de que estava
certo.
O que vi no espelho não
verei jamais.
O que eu vi no espelho
eu já esqueci.
Vou voltar a não ver,
e a cada lembrança do
que vi, terei que esquecer
o dobro do que senti.
∆
Solto me coloquei em busca da perfeição. Mesmo sabendo que não existe ser perfeito, mesmo assim ainda me pego caçando nos outros o que não brilha dentro de mim. O que posso dizer ou chamar de realidade, o que posso sonhar e esperar da fantasia, o que não torço, não aperto e não espremo e só espero.
Tento fugir do duelismo, fugir do bem e do mal, do preto e do branco, do homem e da mulher, do fogo e da água e do yin e do yang. Mas está tudo preso dentro de mim. Conheço a porta de saída, sei onde encontrar um escape e mesmo assim continuo carregando esse sentimento nas costa, nos ombros e na alma.
Mesmo silenciando pensamentos e condensado sentimentos, ainda estarei nu de frente ao espelho. Um espelho incapaz de refletir meu exterior e uma nudez incapaz de infligir beleza. Não é só o meu corpo e não é só esse espelho, é tudo e todos que estão a minha volta. São todas as matérias, são todos os olhares e a falta de afeto que me afeta profundamente.
Ao mesmo tempo em que estou e me sinto completo, vejo que em cada espaço de tempo, cada pedaço de sentimento e condimento o vazio ainda é gritante no que sou. O meu corpo grita, grita com um silêncio estrondante como um silêncio vazio.
Não deveria estar sofrendo, não. Poderia estar em um momento maravilhoso, deslumbrante e pleno. Mas sempre me pego voltando ao que sentia antes. Sempre pareço estar carregando um fardo maior que o meu próprio corpo. E cada passo que eu dou vou me afundando mais e mais na arreia. Uma areia que parece confortável, mas te tritura aos pedacinhos e quando eu menos esperar, vou olhar para o que sobrou e ver que não restou mais nada.
E assim é que se desvai uma vida. Nesse processo de desligamento e na purgação de afeto. Ainda me vejo pelado em frente ao espelho. E talvez esse espelho não reflita nada. Talvez todos os buracos dos meus poros tenham se aberto para o abismo e isso pode explicar o tamanho do vazio que carrego. Talvez isso explique porque não me vejo na frente do espelho. Mas se isso não explicar nada, voltarei a me perguntar o porquê ao quê.
A Cidade
Cícero
A verdade anda só
No meio da rua
Não devia ser, mas é
Tudo continua igual
Tudo continua
No meio da rua
Não devia ser, mas é
Tudo continua igual
Tudo continua
A cidade e o redor
A menina nua
A cabeça assimilando
Tudo continua desmoronando
A menina nua
A cabeça assimilando
Tudo continua desmoronando
Amanhã o dia amanhecerá
Foi e é assim desde sempre
O mesmo desespero a desesperar
Foi e é assim desde sempre
O mesmo desespero a desesperar
A mesma alegria a alegrar
Repetindo repetidamente
Amanhã o dia amanhecerá
E anoitecerá
Repetindo repetidamente
Amanhã o dia amanhecerá
E anoitecerá
Um dia breve no cimento
Em algum lugar
Em meio à confusão
Em meio à confusão
Só resta esperar
De pé na condução
De pé na condução
Um dia breve no cimento
Um dia alegre no cimento
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