Resenha: Filosofia da arte - cap. V - O artista


Stolen Dreams by Sergio Pezzutti
RESENHA¹

Texto de Jean Lacoste 
A Filosofia da Arte²
Cap. V - O Artista

O quinto capítulo do livro vem desenhar um artista refletido no primeiro livro de Nietzsche O Nascimento da Tragédia (1872). Onde ele buscou interpretar o sentido da cultura grega a partir do trágico. É visto em Lacoste como a natureza é posta em sua exuberante beleza e estando ela em qualquer coisa será, de certa forma, autónoma - liberta e completa por si própria. Afirmando-se assim enquanto artista. 

“[...] a natureza na medida em que é criação, nascimento e morte, é ela própria artista.” (pág. 68).

Através de um entusiasmo dionisíaco o homem será capaz de sair do mundo da ilusão e do sonho (apolíneo) para mergulhar na profundeza de um saber rodeado de êxtase e completamente informe; se reconciliando de forma selvagem com a natureza. Nessa mimese e em um estado de consciência, o artista pode ser visto como uma obra de arte: resgatando e interagindo com o seu poder artístico na natureza e em constante metamorfose será capaz se distanciar do que já foi para se lançar em uma emoção trágica e longe da sua consciência.

“A embriaguez dionisíaca rasga esse ‘véu de Maya’ da individualidade e essa ilusão de consciência, para celebrar selvaticamente a reconciliação do homem e da natureza.” (pág. 67).

Para Nietzsche, à embriaguez dionisíaca desilude o homem e é necessária para tirá-lo de sua individualidade a um entusiasmos profundo do saber e conhecimento. Nesse estado, corre o risco de sucumbir a aversão (budista) à vida. Criando-se nele a vontade:“...única e eterna por trás do nascimento e morte dos fenômenos individuais.” (pág. 69).

Nessa consciência me deparo com uma metamorfose bilateral, dualista, incompleta e constantemente vazia. A ilusão apolínea me cega completamente os olhos. Não sinto o longe, não sinto o perto. No mesmo instante que as emoções ficam à flor da pele, uma frieza e indiferença desafloram todos os sentidos e sou então carregado por um forte incômodo. Estou possuído, a sanidade me cai sobre um desânimo apático e ao mesmo tempo me nutre como uma casca rígida. A única forma de sair desse estado ou de querer - ao mesmo tempo - permanecer nesta constante pulsação será com o papel da representação perfeita de uma arte construída e sentida. Visto que a arte está aqui como um remédio diante dessa fraqueza; de uma impotência em olhar a vida de frente, de encarar a realidade como ela é. Tenho então a necessidade de me construir enquanto deus; de criar fragmentos do que não posso ser por inteiro. Poderá ser no absurdo divino das palavras³ ou envolto de uma embriaguez em forma de máscara divina capaz de materializar tudo o que foi perdido em sonho apolínio.

O Apolo e o Dionísio aí se completam. Não só no estado dionisíaco mas no seu papel fundamental (enquanto impulso artístico) de conseguir dar vida ao inatingível da natureza: transfigurar do fundo do artista para o exterior do seu corpo. Esse espetáculo trágico é formando a partir de um triplo escalonamento entre: o herói trágico; o espectador e o coro. Formando assim um todo em que a unidade estará no coro trágico - cujo os cantos exprimem os sofrimentos de dionísio, sendo ele o gênio da tragédia antiga - concebido segundo o espírito da música. Nietzsche deduz uma evolução história da tragédia que vai de Homero e Hesíodo a Eurípides e Sócrates, considerados por ele como homens teóricos. 

Nesse ponto de equilíbrio e longe do seu ‘’eu individual’’, nascem o trágico e também a música. Em Nietzsche a tragédia estará na superabundância da força como natureza artística e com poder de metamorfose. A arte trágica é surgida como remédio capaz de juntar dois elos distintos. Voltando novamente ao seu ponto de equilíbrio, numa posição de mundo consolidado e de forte poder de existência. O próprio Nietzsche considera a civilização grega como uma civilização superior, vê ele - dessa união - o fundamento tanto da existência quanto do mundo. Sendo fundamentos a partir da união entre Apolo e Dionísio e deste modo, será através da arte que conseguiremos olhar diretamente para a vida e para as totalidades das coisas.

“[...] a arte trágica constitui um remédio contra o niilismo e o denegrir metafísico das aparências.” (pág. 77).

Lacoste traz no caso Wagner os dois lados da relação entre o escritor alemão e o músico e compositor Richard Wagner. Onde no seu começo estaria Wagner como um artista moderno por excelência, representando o advento do ator na música e trazendo a promessa de um despertar dionisíaco e trágico, possuindo a primeira vitória do mito - através de uma paixão em cena para um outro lado: um artista de decadência européia em uma possessão pervertida em histeria neurótica - sendo incapaz de criar formas e de recriar uma unanimidade dionisíaca e estando assim, ausente uma experiência estética. Também, o conhecimento de uma moral servil “aquela que empobrece e enfeia as coisas, que nega o mundo e que proclama ser o eu execrável.” (pág. 75) O leva em busca de satisfazer uma necessidade religiosa de redenção. Se colocando longe de uma virtuosidade pura da mimese para um ator de arte insustentável.

Um dos questionamentos feito por Lacoste, fica ao artista a escolha de uma imobilidade, de uma permanência, de uma eternidade e de um espírito de ser; estando no outra lado de sua escolha, a destruição, a mudança, a metamorfose e o devir - que se entrega e se desenvolve de forma impulsiva e cega em Nietzsche. Se a necessidade de destruição e inovação podem ser uma expressão de forças superabundante, a necessidade do desprezo de si e do ódio a toda superioridade faz nascer, de sua fraqueza, o sentido de permanência e de eternidade por um nascer do amor ao mundo imperecível, de uma vontade daquele que sofre e faz de si mesmo um ídolo e espelho, ou seja, se endeusa transfigurado em um novo estado trágico.

Ao final do capítulo, o artista em Lacoste ainda permanece fragmentado. E em suas mãos segura seu paradoxo: a eternidade e permanência ou um constante estado de busca por transformações. A sua principal mimese, continuará sendo a da natureza e é visto desde o classicismo ao pessimismo romântico a natureza do artista trágico. E em Nietzsche, o próprio parece brincar com essa dualidade: sabendo da necessidade de se consumir - enquanto deuses - e de apaziguar com a sua real forma de” poder definir-se”. Coloco essa arte artística na sua superabundância da sua linguagem e recepção do público e entre todas as espécies de seres vivos: a de ganhar vida e de logo depois, mudar.

¹Resenha realizada no componente Estética 1-A (FCH283) no semestre 2019.2 com o docente Rafael Zize.
²LACOSTE, Jean. A filosofia da arte. 2a ed. Tr. Álvaro Cabral. RJ: Zahar, 2011.
³BARROS, Manoel de. O menino do mato. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2015.

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